Farmacêutico: um profissional da saúde
1. SALÃO DE FARMÁCIA, PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO 20
Um suntuoso mobiliário de madeira se estendia até o teto,
repleto de vidros que acondicionavam as substâncias utilizadas
na preparação dos medicamentos. A atmosfera era de familiaridade
e respeito, e o burburinho, constante. Clientes detalhavam
queixas, tiravam dúvidas, cochichavam intimidades.
Interior de farmácia fundada por Francisco Leocadio de Castro
Neves, em Piracicaba (SP). Imagem retirada de anúncio. Coisas
Antigas Piracicaba/Reprodução.
Interior de farmácia fundada por Francisco Leocadio de Castro
Neves, em Piracicaba (SP). Imagem retirada de anúncio. Coisas
Antigas Piracicaba/Reprodução.
2. AUTORIDADE
Tudo ali girava em torno da razão de ser do estabelecimento: o
farmacêutico.
3. NASCE UMA PROFISSÃO
Já havia cursos de Farmácia nas principais cidades do país e os
estabelecimentos eram cada vez mais disseminados. Com a formação
científica de seus donos, as farmácias disputavam com vantagem a
clientela que antes era só dos boticários*.\nO farmacêutico
tornou-se, na prática, o profissional de referência em saúde de
parte importante da população brasileira.\n* Os boticários não
tinham formação acadêmica específica, mas ainda eram atuantes
nesse período.
4. SAÚDE PUBLICA: PRIMEIRAS CAMPANHAS
No início do século 20, a realidade da saúde pública brasileira
limitava-se às campanhas de controle de epidemias e ao
acolhimento – limitado – a doentes contagiosos (como os
portadores de hanseníase, tuberculose e doenças venéreas) – ou a
pacientes psiquiátricos.
5. A FARMÁCIA EM EXPANSÃO
O atendimento médico preventivo à população era diminuto, quase
inexistente. Os hospitais eram igualmente raros. Contar com a
avaliação de um médico, mesmo em caso de doença grave, era
privilégio de uma elite reduzida.\nEm 1934, foram contabilizados
cerca de mil estabelecimentos de assistência médico-sanitária em
todo o país: a relação era de 0,15 médico/mil habitantes (em
2008, a relação era de 1,84/mil habitantes).\nAntes disso, a
proporção era menor ainda. Já a quantidade de farmácias era
marcadamente maior, somando 6.760 em 1938.
Família de Santarém (PA) recebe estudantes do curso de
Visitadoras do programa Amazônia do Serviço Especial de Saúde
Pública - SESP (1945-1947). Acervo Casa de Oswaldo Cruz.
Família de Santarém (PA) recebe estudantes do curso de
Visitadoras do programa Amazônia do Serviço Especial de Saúde
Pública - SESP (1945-1947). Acervo Casa de Oswaldo Cruz.
6. A POPULAÇÃO PEDE SOCORRO
A ciência do início do século 20 ainda não identificava a causa
da maioria das doenças. Isso só aconteceria com o aprofundamento
dos estudos de bacteriologia iniciados por Louis Pasteur e
Robert Koch havia poucas décadas. Apenas a partir dos anos de
1930 começaram a chegar ao Brasil avanços na Medicina e na
Farmácia. Antes disso, epidemias como febre amarela e gripe
espanhola causaram milhares de mortes, principalmente nos
ambientes urbanos do país. O desespero provocou verdadeiras
corridas às farmácias e crises no abastecimento de fármacos. Os
farmacêuticos se esforçavam para atender a população, mas muitos
dos medicamentos destinados a combater essas doenças mais tarde
provaram-se inócuos – como as estatísticas de vítimas das
doenças sugeriam.
Colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo, se transforma em
hospital provisório com 400 leitos durante o surto de gripe
espanhola (1918). Arquivo Estadão Conteúdo.
Colégio Marista Arquidiocesano, em São Paulo, se transforma em
hospital provisório com 400 leitos durante o surto de gripe
espanhola (1918). Arquivo Estadão Conteúdo.
Na primeira página do jornal, comunicado instrui a população
sobre cuidados com a gripe espanhola. Jornal O Estado de S.
Paulo, 2/11/1918. Arquivo Estadão Conteúdo.
Na primeira página do jornal, comunicado instrui a população
sobre cuidados com a gripe espanhola. Jornal O Estado de S.
Paulo, 2/11/1918. Arquivo Estadão Conteúdo.
7. FARMACÊUTICOS NA LINHA DE FRENTE
O farmacêutico do início do século 20 tinha como atribuição
principal garantir a entrega de medicamentos seguros aos
clientes, ou seja, puros e preparados com as técnicas adequadas.
Na linha de frente do atendimento à população (e dada a falta de
assistência médica), ele também prescrevia medicamentos,
orientava o planejamento familiar, indicava repousos e dietas,
aplicava injeções e chegava a realizar os primeiros-socorros em
acidentes.
8. TRANSFORMAÇÕES SAUDÁVEIS
O prestígio de alguns profissionais foi convertido em sucesso
comercial com a transformação de farmácias em laboratórios
farmacêuticos.\nAlguns nomes podem ser destacados, como Baruel,
Granado, Silva Araújo e Gustav Schaumann (Botica Ao Veado
D’Ouro). Produzindo em escala, essas casas atendiam à grande
procura por fórmulas de confiança, muitas vezes voltadas ao
combate a vários males.
9. O SUCESSO DOS TÔNICOS ELIXIRES
Esses produtos eram as chamadas fórmulas officinaes*, preparados
segundo os códigos farmacêuticos e já prontos para consumo. Os
tônicos e elixires eram as preparações mais comuns – e ficaram
na memória brasileira pela forte propaganda comercial que
empregaram.\n* Diferentes das fórmulas “magistrais”, prescritas
por médicos para necessidades específicas de cada paciente e
aviadas nas farmácias.
10. FORTIFICANDO
Um exemplo de destaque foi o Biotônico Fontoura, que a
propaganda apresentava como fortificante e solução para o
amarelão, doença parasitária associada ao atraso do
desenvolvimento do país.\nAlém do renome de Cândido Fontoura,
farmacêutico desenvolvedor da fórmula e dono do laboratório, seu
motivado garoto-propaganda foi ninguém menos que o escritor
Monteiro Lobato.\nPara promover o tônico, Lobato criou o
Almanaque do Jeca Tatu, cujo protagonista é um caipira
preguiçoso e limitado – devido à ancilostomose. De tão
conhecido, o personagem passou a sintetizar uma figura típica
nacional dali em diante.
11. CIÊNCIA E SAÚDE CAMINHAM JUNTOS
Depois da Segunda Guerra Mundial, as ciências farmacêuticas
deram um salto importante, e muitos medicamentos passaram a ser
sintetizados em laboratórios mais complexos. Os antibióticos, a
partir do desenvolvimento da penicilina, são os mais
emblemáticos.
12. A CHEGADA DAS DROGARIAS
Surgiram, nos anos de 1930, as primeiras drogarias, com perfil
marcadamente comercial, de competitividade na venda de
medicamentos.\nDeu-se, assim, uma modificação importante no
cenário de atuação do farmacêutico, como explana Cândido
Fontoura, em discurso de 1936.
13. ATUAÇÃO DE IMPACTO
O panorama da saúde pública brasileira também começava a mudar,
com impacto na atuação dos farmacêuticos. No pós-guerra, uma
pequena parcela da população já tinha acesso a assistência
médica, principalmente por meio de institutos previdenciários
privados.\nA atenção médica oferecida por órgãos públicos à
população em geral, no entanto, era ínfima.
14. AMPLIANDO O ACESSO À SAUDE
A partir dos anos 1960, entrava em discussão a descentralização
do serviço sanitário e a noção de acesso universal à saúde,
embora estritamente em teoria no Brasil. Com a criação do
Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1967,
ampliou-se substancialmente o acesso à assistência médica
curativa no país – ao menos aos trabalhadores registrados.\nA
maioria da população, no entanto, ainda se encontrava excluída,
embora já aspirasse por atendimento médico.
15. A GRANDE REFERÊNCIA
O farmacêutico, nesse mesmo período, tinha o foco de sua
formação voltado para outras áreas além do atendimento à
população, como a indústria, os alimentos e as análises
clínicas. Na prática, no entanto, ele continuava a desempenhar
papel de referência em saúde, especialmente em áreas não
centrais.
16. ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA: UM DIREITO DO CIDADÃO
Com a Constituição de 1988, o acesso universal à saúde tornou-se
um direito a ser garantido pelo Estado, incluindo a assistência
farmacêutica. Em 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi
regulamentado e passou a vigorar. A visão sobre a importância do
farmacêutico no atendimento à população foi reforçada na Carta
e, na atualidade, passou a ser apresentada pela ideia de cuidado
farmacêutico.
17. UM PASSO DE CADA VEZ
A implantação do sistema representou um progresso na atenção
primária à saúde, que ainda é insuficiente, desigual e falha em
praticamente todo o país.
18. INDISPENSÁVEL
A noção de equipe multidisciplinar no atendimento, por sua vez,
tem avançado. Em 2004, foi publicada a Política Nacional de
Assistência Farmacêutica, que descreve a atuação do farmacêutico
nessas equipes e tem embasado políticas públicas com essa
abordagem. Por lei, desde 2014 as farmácias – e não só os
hospitais – passaram a ser consideradas estabelecimentos de
assistência farmacêutica. Para que a população tenha acesso a
tratamentos medicamentosos seguros e eficazes, é preciso um
farmacêutico.
VIDEO DE CUIDADO FARMACÊUTICO
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